Quase todos os dias eu a encontrava naquela biblioteca. Não era um encontro casual, confesso que eu sempre fui no mesmo horário por causa dela, mas nem sempre tinha a mesma sorte. De qualquer forma era sempre a mesma coisa, eu chegava por volta das 13 horas e depois de uma hora ela chegava, eu a observava. Ela sempre gostou dos lugares próximos à janela (por isso comecei a escolher estrategicamente onde eu ia ficar). Eu voltava a minha leitura, às vezes levantava a cabeça para olhar a moça, e depois retornava. Por volta das 18 horas ela ia embora, e eu ficava, mas perdia a graça, logo saia também.
Na última sexta-feira foi diferente. Não sei se foi ilusão minha, mas ela me olhou. Foi ai que analisei todos os detalhes enquanto ela estudava. Nunca foi tão bom observá-la, mas naquele dia ela estava especialmente linda. Seus olhos brilhavam como nunca, um olhar misterioso que eu precisava desvendar. Trazia um sorriso sereno no rosto, aliás, no belo rosto. Traços delicados, bochechas rosadas, bela. Cabelos longos, mas presos, aquilo era outra coisa que me chamava atenção. Sempre gostei de cabelos longos, mas ela sempre os prendia, e eu me prendia a imaginá-los soltos. Aquele silêncio era perfeito para contemplar sua beleza.
Preciso voltar à minha leitura, pensei. Mas eu lia algumas frases e me pegava parado olhando para o livro e pensando nela. Ora bolas!!! Mas ela está aqui ao lado. Porque diabos eu estou pensando nela? Me assustei, por um instante pensei ter falado aquilo, olhei com calma para os lados e todos estavam concentrados, que alívio, eu só pensei. No mesmo instante voltei o olhar para a moça, e para minha surpresa, ela estava com fones no ouvido. Nesse momento esqueci completamente o que eu estava fazendo e fiquei a imaginar o que ela estava ouvindo. Que músicas ela gosta, que lugares ela freqüenta e com quem, será que tem namorado? Onde será que ela mora, pode ser que seja aqui perto, ou talvez ela trabalhe aqui perto. Mil perguntas inundaram a minha cabeça. Já era tarde, ali eu não conseguia mais pensar em nada, eu queria saber tudo sobre aquela bela mulher, queria me aproximar de algum jeito.
Decidi que quando fosse a hora dela ir embora, eu iria junto. Olhei para o relógio, 17h49min. Nossa, o tempo passou que nem percebi. Resolvi levantar e ir ao banheiro, eu estava nervoso. Na volta vi a porta da sala se fechando e ela saindo. Olhei para seu lugar e confirmei, ela saiu. Sem pensar, fui até minha mesa, peguei os livros (que nem tinha lido naquele dia) e sai rápido.
No fim do corredor o elevador se fechando, e outra vez eu a vi por entre a porta, dessa vez do elevador. Desci as escadas correndo, para minha sorte eram apenas dois andares. Eu precisava alcançá-la, nem sabia ainda o que ia dizer, mas eu tinha que ir. Na saída paralisei, pasmo. Aquela luz de fim de tarde em contraste com a moça parecia uma pintura, uma obra de arte. Ela soltou os cabelos, parecia até ser de propósito, o vento os balançou levemente. E eu quase sem ar, com o olhar fixo. Ela caminhou até o carro e foi embora. Eu também fui. Passei o fim de semana com aquela imagem na mente, contando os minutos para a segunda-feira, às 14 horas.
Chegada segunda-feira, a ansiedade era grande. Almocei rápido e fui. Ao chegar me deparo com as portas fechadas e um aviso: Biblioteca fechada para reforma. Nem vi o que mais tinha escrito, quase caí. Fiquei indignado, fui até o segurança e perguntei como poderiam fazer aquilo. Ele me responde educadamente que o aviso está ali a mais de uma semana.
É claro. Eu não tinha percebido, afinal, só tinha olhos para ela. Voltei triste para casa. Agora, vou a uma biblioteca diferente a cada semana a fim de encontrá-la. Só faltam 12!